quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Metaphor for death

[Ele não se lembrava. Ele não se lembrava. Ele não se lembrava.]
E talvez tenha sido uma sensação de queda-livre ou de se afogar no mais profundo oceano. Não como um tapa, mas uma facada no peito. Aquele olhar! Ah, aquele olhar e aquele não-reconhecimento-da-pessoa-que-mais-o-amava, a rejeição... tudo fora gélido, vazio e terrível. Como um espaço vazio, como um buraco, um caixão.
[Ele não a amava. Ele não a amava. Ele não a amava.]
Ou então, talvez tenha sido como ver-se presa em um pesadelo e não conseguir acordar, como gritar, gritar e gritar e ninguém escutar. Sentiu-se sozinha e abandonada pela primeira vez, odiou-se como nunca odiou ninguém e foi - por incrível que pareça - incapaz de odiá-lo um só segundo. Era mais que uma facada, era um 'não'.
[Não ficaram juntos. Não ficaram juntos. Não ficaram juntos.]
Como caminhar sozinha uma longa estrada, quem sabe? Como olhar-se no espelho e não se ver. Como perder todo o sentido em um segundo ou como ver que tudo o que fez falhou. Foi como perder, como chorar, como não ser especial. Negação. Rejeição. Esquecimento.
[Ela o matou. Ela o matou. Ela o matou.]
E soube que morrera junto com ele.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Thirst

Sua irmã mais velha, na época da puberdade, dizia-lhe escondida dos pais que os lábios de quem se ama possuem um gosto único. Entre risinhos sussurrava que quando ele provasse pela primeira vez de um roçar de lábios, logo perderia-se em um beijo que o deixaria louco. Óbvio que sua irmã estava tão errada quanto na vez em que contara para ele sobre fadas e lobos maus.
Até mesmo seu tio - um romântico incorrigível que morrera abraçado ao corpo de uma amante - estava errado ao dizer-lhe que beijos são doces e que os que beijam são crianças gulosas. Estavam todos errados, para falar a verdade.

Uma vez beijara uma menina de quem gostava. Ele gostava da boca dela - isso porque por muito tempo era incapaz de olhar para outra parte da menina. Então, um dia beijou-a e... não sentira gosto de nada.
Ele se lembrava bem, claro. Segurou seu rosto delicamente e a viu fechar os olhos, beijou-a por um segundo ou uma hora e só teve um segundo para chamar a irmã de mentirosa, depois pegou-se apaixonado.
Não havia qualquer sabor ali, nos lábios dela, mas se fosse comparar, diria que aqueles eram lábios com gosto d'água ou sem qualquer sabor - não que ele não fosse romântico, só estava querendo dizer que ela tinha lábios reais. A prova, claro, de que sua irmã não passava de uma sonhadora achando que beijos eram docinhos de festa.
Porém, ele não estava reclamando de forma alguma, ainda era bom. Porque o que importava de verdade não era o sabor que não existia, mas a sensação de estar ali, com quem se ama. E mais do que ter conseguido um beijo daquela garota, havia matado sua sede.
Claro, porque se os lábios dela eram água, o que ele sentia era sede e mesmo não havendo qualquer gosto havia a necessidade de provar e beber para se manter vivo. Para a sede dele, só haviam aqueles lábios.
Porque daqueles lábios sem gosto ele beberia por toda uma eternidade - ainda que lhe parecesse pouco.
[Sua irmã estava errada.]